O versículo de João 9:39, onde Jesus diz: “Eu vim a este mundo para julgamento, a fim de que os cegos vejam e os que veem se tornem cegos” (João 9:39, NVI), está inserido em um contexto profundo de revelação espiritual e transformação interior. Essa declaração de Jesus surge após a cura de um homem cego de nascença, um dos milagres mais simbólicos do Evangelho de João. A afirmação de Jesus nos convida a refletir sobre o conceito de “ver” e “cegueira” de maneira metafórica e espiritual, apontando para a maneira como percebemos e compreendemos a verdade divina.

Contexto do Milagre e da Declaração

O capítulo 9 de João começa com Jesus curando um cego de nascença. O homem, que nunca havia enxergado, recebe de Jesus a visão, um símbolo poderoso do que Cristo veio realizar espiritualmente: Ele veio para “dar visão” àqueles que estavam na escuridão do pecado e da ignorância espiritual. No decorrer do capítulo, após o milagre, surgem discussões e investigações conduzidas pelos fariseus, que não apenas duvidam do poder de Jesus, mas o questionam e rejeitam abertamente. Esse contexto prepara o terreno para que Jesus faça sua declaração sobre o julgamento.

A Cegueira Espiritual e a Visão

Ao dizer que veio para que “os cegos vejam” e “os que veem se tornem cegos”, Jesus expõe uma ironia espiritual. A “cegueira” mencionada aqui não se limita a uma condição física, mas representa um estado espiritual de ignorância ou de falta de compreensão da verdade divina. Em contraste, “ver” simboliza o entendimento, a aceitação e a abertura à luz de Cristo, que revela o caminho para Deus.

Em outras partes do Novo Testamento, Jesus se refere a si mesmo como a “luz do mundo” (João 8:12). Essa luz é capaz de iluminar o interior das pessoas, trazendo clareza e verdade para aqueles que reconhecem sua necessidade de Deus. A cura do cego representa essa mudança de estado: aqueles que reconhecem sua própria “cegueira” espiritual – sua necessidade de ajuda, sua falta de compreensão sobre o divino – são os que estão prontos para receber a visão espiritual.

“Os Que Veem se Tornem Cegos”

A segunda parte da declaração, onde Jesus fala sobre “os que veem se tornarem cegos”, refere-se aos líderes religiosos que se consideravam “guardiões da verdade”, mas que, na realidade, estavam espiritualmente cegos. Eles acreditavam possuir um conhecimento superior das Escrituras e das leis divinas, mas seu orgulho e preconceito impediam que enxergassem a verdade que estava bem diante deles, na pessoa de Jesus. Essa cegueira é uma consequência da auto-suficiência e do endurecimento do coração.

Em Mateus 13:13, Jesus explica esse tipo de cegueira ao dizer: “Por essa razão eu lhes falo por parábolas: ‘Porque vendo, eles não veem; e ouvindo, eles não ouvem nem entendem’”. A obstinação dos fariseus os impedia de verem em Jesus o cumprimento das promessas messiânicas, e sua autoconfiança se torna o motivo de sua cegueira. Assim, a “cegueira” daqueles que se acham sábios e autosuficientes, mas que rejeitam a verdade de Cristo, é, em certo sentido, um tipo de julgamento.

A Vinda de Jesus e o Julgamento

É interessante notar que Jesus usa a palavra “julgamento” para definir sua missão. Em João 3:17, o evangelho afirma que “Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele”. Esse julgamento que Jesus traz é, antes de tudo, uma revelação. Sua presença e suas ações expõem a verdadeira condição dos corações humanos – aqueles que se abrem para Ele são iluminados, enquanto aqueles que se fecham, se endurecem ainda mais. Assim, Jesus, como luz do mundo, provoca uma separação: Ele “julga” ao mostrar quem está disposto a enxergar a verdade e quem prefere permanecer cego.

Essa mensagem é também um alerta para todos nós. O Evangelho nos chama a um exame interior, a reconhecer nossas próprias limitações e nossa necessidade de cura espiritual. Como Jesus afirmou em outro momento: “Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus” (Mateus 5:3). Aqui, ser “pobre em espírito” é reconhecer nossa própria “cegueira”, nossa dependência da graça e do entendimento que só Deus pode proporcionar.

Reflexão Final

A fala de Jesus em João 9:39 é uma afirmação sobre a condição humana e a necessidade de humildade diante de Deus. Aqueles que são “cegos”, isto é, que admitem sua limitação e sua busca por Deus, estão prontos para receber a visão espiritual e para caminhar na luz de Cristo. Mas aqueles que creem já ter toda a sabedoria e desprezam a mensagem de Jesus, permanecem na escuridão de sua própria arrogância.

Esse versículo nos convida a uma autocrítica: Será que temos reconhecido nossa necessidade da luz de Deus? Ou temos, como os fariseus, confiado em nosso próprio entendimento e nos fechado para a verdade que Cristo nos oferece? A mensagem de João 9:39 nos desafia a buscar, em humildade, a visão que só Ele pode dar e a permitir que sua luz nos conduza no caminho da vida eterna.